A terceira nota institucional do IP.rec vem reforçar seu posicionamento na busca de uma Internet livre, aberta, neutra e de acesso universal, para todas e todos. Com a crise ocasionada pelo rápido alastramento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, o mundo inteiro pode ver quão essencial a Internet se tornou como ferramenta de comunicação e manutenção de atividades básicas.  

 

A pandemia forçou um distanciamento físico e alterou o funcionamento de várias capitais do mundo. No entanto, a Internet mostrou-se ferramenta indispensável para que esse afastamento não fosse necessariamente um isolamento social completo, uma vez que aplicações de chamadas de áudio e de videoconferência, como o Skype, o Zoom, Hangout ou o Jitsi têm sido grandes aliadas na tentativa de manter o convívio com amigos e família durante a crise.

Para além do uso da rede com o intuito de  aproximar pessoas, diante da situação excepcional, o home office se tornou realidade para diversos setores de trabalho, inclusive para aqueles que não costumavam utilizar esse regime. Da mesma forma, serviços considerados essenciais e tradicionalmente prestados à distância passaram a depender do uso da internet.

Um dos principais exemplos está no âmbito da educação, uma vez que diversas instituições educacionais, como escolas e universidades, têm recorrido ao ensino à distância para evitar a paralisação total de suas atividades. A utilização de ferramentas para disponibilizar aulas na internet está sendo o único meio de não parar completamente as atividades, tanto no ensino básico quanto no superior. No entanto, ainda que se reconheça o esforço contínuo dos profissionais da educação e de algumas instituições, o cenário abre um debate muito mais amplo: a desigualdade de acesso à internet na sociedade. Segundo a Unesco, até o momento, a Covid-19 já atingiu mais de 1 bilhão e meio de estudantes, quase 91% daqueles matriculados em escolas de 188 países com ordens de restrição.  

No Brasil, ao se falar em uso de tecnologias para fornecimento de serviços à distância, é necessário destacar que, segundo a Pesquisa TIC Domicílios realizada em 2018, mais de 30% das casas não têm acesso à internet, em geral as mais pobres, o que evidencia que este cenário reforça desigualdades já existentes, uma vez que alunos de instituições privadas conseguem ter acesso mais fácil a planos de Internet de banda larga fixa. 

Da mesma forma, no que diz respeito à prestação de serviços essenciais, pode-se falar da regulamentação e uso da telemedicina no país. Com o intuito de diminuir o trânsito de pessoas na rua e nos hospitais, o Conselho Federal de Medicina enviou ofício ao Ministro da Saúde concordando com o exercício da medicina por meio de plataformas digitais enquanto durar o combate à Covid-19. Como consequência, a telemedicina provocou um aumento expressivo no número de atendimentos. Segundo um levantamento feito pelo Estadão, em alguns casos, a demanda pela teleconsulta aumentou sete vezes em 15 dias. No Hospital Albert Einstein, que desenvolve ações de telemedicina desde 2012, o número de teleconsultas diárias saltou de 80 para 600 após a regulamentação. 

Sabe-se da importância do isolamento físico nesse momento e da necessidade de existência de alternativas para os serviços. No entanto, este cenário abre inúmeros questionamentos, como o acesso e a guarda desses dados, pertencentes ao campo da intimidade da pessoa e classificados como sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados. Mas, para esse momento, interessa-nos as dúvidas quanto à igualdade de acesso a estes serviços essenciais prestados, agora, exclusivamente na forma digital.

Como exemplo, podemos apresentar a ferramenta desenvolvida pela prefeitura de Recife, que pode ser acessada por celular (smartphone) ou computador através do endereço www.atendeemcasa.pe.gov.br. A plataforma tem como objetivo fazer com que os pacientes que apresentem sintomas gripais, que podem ser causados pelo novo coronavírus ou pelo vírus Influenza, por exemplo, recebam parte das orientações sem precisar se deslocar ao hospital.

O “Atende em casa – Covid 19” foi primeiramente disponibilizado para os moradores do Recife. De acordo com o secretário de Saúde de Pernambuco, o Governo do Estado vai expandir a experiência para outros municípios da Região Metropolitana e funcionará da seguinte maneira: diariamente, por duas semanas, o paciente com sintomas de gripe leve receberá mensagens de monitoramento do seu estado de saúde, informações sobre medidas de prevenção para doenças respiratórias e orientações sobre o isolamento domiciliar. Se houver sinais de alerta de que os sintomas passaram a ser moderados ou graves, como febre persistente, falta de ar ou dor ao respirar, por exemplo, o paciente será direcionado a uma videochamada com um enfermeiro ou médico. Através da videochamada, os profissionais poderão fazer uma avaliação, passar as primeiras instruções ao paciente e, quando necessário, poderão encaminhá-lo para uma unidade de saúde. Levando em consideração que a utilização da Internet, assim como tantos outros serviços, não ocorre de maneira igualitária, promover o acesso a um direito fundamental por meio de aplicativos ou sites pode criar mais um obstáculo para a efetivação de políticas públicas básicas ao cidadão.

Os exemplos citados, além de abrirem espaço para uma discussão sobre a desigualdade digital, também justificam o aumento do tráfego de dados na rede, pois há uma tendência crescente no uso da Internet conforme avançam as medidas restritivas. 

Ainda no início da crise, segundo o IX.br (Brasil Internet Exchange), o consumo geral aumentou relativamente pouco, mas o hábito de uso da rede já se mostrou diferente. De acordo com Julio Sirota, gerente do IX.br, agora os horários de utilização da internet durante a semana se assemelham aos de um domingo, começando leve pela manhã, tendo um aumento ao meio dia, que se estabiliza até o pico, que ocorre à noite. Só em São Paulo a utilização da internet subiu mais de 25% nas últimas três semanas. Já na Europa, devido ao grande uso da internet, empresas como Netflix e Youtube estão diminuindo a qualidade das suas transmissões em streaming e, consequentemente, reduzindo o volume de dados trafegados, para diminuir a sobrecarga da Internet no continente. No Brasil, os serviços de Netflix e Globo Play também seguiram essa orientação. Tais medidas irão afetar os serviços de vídeos por aproximadamente 30 dias.

Embora a conexão possa apresentar lentidão devido à crescente utilização da rede, o NIC.br assegura que não há risco de colapso, tendo em vista que utilizamos atualmente metade da capacidade suportável. É válido lembrar que a Internet é composta por uma rede de redes, há sempre mais de um “caminho” para estabelecer a conexão e fluxo de pacotes. Logo, um “apagão” é muito menos provável de ocorrer do que possíveis gargalos e instabilidade. Reiteramos a necessidade de uma Internet resiliente, com uma infraestrutura que suporte o tráfego de dados, principalmente em momentos de crise, respeitando e atendendo à necessidade dos usuários.

Já em virtude de tais debates, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), visando a manutenção do serviço e a estabilidade de conexão no país, solicitou às operadoras de telecomunicações a adoção de oito medidas durante a crise ocasionada pela COVID-19, incluindo a ampliação de velocidade de conexão nos acessos fixos à banda larga e a ampliação de acesso a não-assinantes em pontos públicos de wifi, por exemplo. A Agência incluiu também o pedido de “providências para acesso zero rating ao aplicativo móvel desenvolvido pelo Ministério da Saúde, o Coronavírus-SUS”, o que significa que o aplicativo desenvolvimento pelo Governo não deve contar no limite de franquia de dados dos usuários.

São justamente os usuários que não tem acesso à banda larga fixa, e limitam-se ao uso de redes móveis com limite de franquia de dados, que devem enfrentar maiores dificuldades no acesso à Internet. Sem conexão fixa, ficam limitados ao acesso móvel e, muitas vezes, têm o serviço interrompido ao atingir o limite da franquia. O que aparenta ser, a princípio, um problema tecnológico, torna-se facilmente uma agrura social. Por isso, a Coalizão Direitos na rede, da qual o IP.rec faz parte, já se posicionou quanto às restrições de navegação impostas pelo modelo de franquia de dados, especialmente na banda larga móvel, inclusive no tocante ao acesso a serviços de telemedicina.  

Desse modo, há uma problemática que é válida levantar, quanto a prática de  zero rating e a relação da disseminação de notícias por aplicativos de troca de mensagens, como o Whatsapp. Impossibilitados de acessar a Internet aberta, porém com acesso zero rated ao aplicativo de mensagens, muitos usuários são privados de verificar informações que chegam através deste, propiciando a disseminação de notícias falsas. Recentemente, o IP.rec publicou uma nota específica sobre o tema e apresentou boas práticas para evitar a propagação de desinformação

É, portanto, fundamental que se compreenda que os debates caminham juntos, desde privacidade até a preocupação de que a prática do zero rating possibilite a criação de uma zona de desinformação, mas ainda seja assunto em discussão sobre acesso a serviços de saúde e educação, por exemplo.

Sendo assim, o IP.rec tem o intuito reafirmar o importante papel da Internet em um período excepcional como esse, para que se compreenda que um cenário de exceção, como é o da pandemia, não signifique perda de direitos. A prestação de serviços essenciais escancara a desigualdade social presente também no acesso à Internet, inclusive com uma preocupação de que esta tenha qualidade e estrutura para tais demandas.

Institucional

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