Os marcos legais de responsabilidade civil de intermediários pareciam ter se estabilizado ao longo do globo na década de 10, entretanto, o contrato entre sistema econômico e político têm forçado o debate revisional das legislações existentes e a criação de legislações de viés restritivos (como o projeto de lei nº 2630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, no Brasil), com institutos jurídicos que limitam ou alteram substancialmente o paradigma de responsabilidade anteriormente posto.

Especificamente, o Brasil, após aprovação do Marco Civil da Internet, adotou um regime de responsabilização de provedores de aplicação por conteúdo gerado por terceiros em que deve haver a comprovação de culpa, ou seja, a responsabilidade civil subjetiva. Antes disso, os tribunais consideravam que as publicações dos seus usuários que eram consideradas lesivas em algum nível, seja moral ou patrimonial, consistiam risco inerente à atividade dos provedores e, portanto, eles deveriam ser considerados responsáveis de forma objetiva.

O art. 19 do Marco Civil, como regra geral, é, atualmente, considerado modelo de responsabilidade civil de plataformas na Internet. Isso porque coloca ao Judiciário o papel de decidir sobre a ilegalidade dos conteúdos e, consequentemente, sobre a atribuição de responsabilidades, tanto para a plataforma quanto para o usuário que publicou o conteúdo questionado.

Este desenho legislativo foi defendido sob a justificativa de contribui para uma maior segurança dos usuários, considerando que às plataformas não cabe decidir se um conteúdo é ilegal ou não, o que protege a liberdade de expressão. Ao mesmo tempo, apenas atribui responsabilidade aos provedores de aplicação após decisão judicial, contribuindo para a segurança jurídica do setor. Ou seja, o Marco Civil da Internet tornou as relações entre usuários e plataformas mais seguras e com menos possibilidades de infração a direitos fundamentais.

Diante desse contexto, o projeto pretende, nesta segunda fase, partir de análises já estabilizadas de legislação comparada (como, por exemplo, a realizada pelo CIS-Stanford e os relatórios publicados pelo IP.rec) e, a partir das discussões de revisão de paradigma legal atual e de estruturas dogmáticas da responsabilidade civil, explorar modelos e cenários possíveis de responsabilização de plataformas a partir da dicotomia do “passado de experiência” recente (legislações existentes e dogmática tradicional) e “horizonte de expectativas” (modelos possíveis e projetos de lei em andamento) propostos pela metodologia da história conceitual.

Toma-se como marco teórico, portanto, as ferramentas da história dos conceitos, que têm foco nas obras de  Reinhart Koselleck, Melvin Richter, Quentin Skinner e John Pocock, para observar não apenas os limites semânticos dos institutos jurídicos em sua relação geracional com as práticas de provedores de aplicação (intermediários), mas os pontos de vista setoriais que atravessam a construção política dos mesmos institutos (veja-se, por exemplo, a construção dos “Princípios de Manila” e “Princípios de Santa Clara”).

O projeto tem, assim, não o intuito de catalogação de legislação comparada, apesar de partir desses esforços, pois uma de suas primeiras etapas consiste na análise e consolidação de projetos de lei cujo objetivo é alterar os marcos legais cristalizados no início do século XXI. O projeto, em sua parte central, vai cuidar de uma exploração historiográfica e dogmática dos cenários possíveis de responsabilidade civil na Internet ante a hipótese de existência de novas forças e fontes correspondentes de novos fatos políticos que impliquem em tentativas de revisão do modelo brasileiro/global (paradigma da não-responsabilização, também adotado em outras partes do globo).

Institucional

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