O Departamento de Dicionários da Universidade de Oxford elegeu em 2016, como “palavra do ano”, o termo “pós-verdade” (post-truth), definindo-a como aquilo que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos às emoções e a crenças individuais. O termo, usado desde 1992, foi mencionado 2.000% a mais em 2016.

Enquanto isso o termo Fake News ganhou notoriedade em meio às eleições presidenciais norte americanas também no mesmo ano, principalmente pelas declarações do então candidato Donald Trump. E nessa discussão destaca-se que, embora o termo Fake News seja traduzido somente como notícias falsas, é fundamental enxergar que o seu objetivo é desinformar, desacreditar, manipular a realidade.

Fake News ou Pós-verdade, sabe-se que a verdade sempre foi um campo de batalhas. Por mais que se fale no aumento exponencial de divulgação de notícias falsas, este não é um processo recente.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o historiador Robert Darnton afirmou que, no século VI, o historiador bizantino Procópio espalhou informações falsas para difamar o imperador Justiniano e outras pessoas. Da mesma forma, é possível citar como exemplo do uso da desinformação para influenciar movimentos políticos o motivo da escolha da cor vermelha feita pelo partido nazista. Enquanto muitas teorias argumentam, até hoje, que o nazismo se constitui como uma ideologia de esquerda, o seu próprio líder esclarece em seu livro (Minha Luta) que a opção pela cor sempre teve o intuito de confundir e, até mesmo, irritar. [1]

Assim, é inegável que o monopólio das notícias pode ser considerado uma arma política com o intuito de manutenção de poder. Não é à toa que a visão de George Orwell sobre o futuro discute sempre o controle dos fatos e das suas versões. Desde criar novas interpretações para as mesmas palavras (Minipaz seria responsável pelo ministério da guerra) até inventar uma guerra ininterrupta para controlar a população pelo medo.

Desse modo, é necessário chamar atenção para o que Hannah Arendt nomeou de “mentira organizada”. A modernidade mostra uma maior influência da mentira sobre o debate político, utilizada para desestabilizar a verdade e a história. A autora quer explicar o uso de inverdades de maneira recorrente, saindo do âmbito meramente privado, de um indivíduo, e tomando espaço no âmbito institucional, de governos. Pergunta-se, portanto, sobre a possibilidade da verdade sobreviver ao assédio do poder político, que falsifica e nega fatos mentirosamente. [2]

Ainda que a autora utilize como exemplos os casos de governos totalitários do século XX que fizeram uso de técnicas publicitárias para propagar mentiras com objetivos políticos, não deixa de indicar casos presentes em estados considerados democráticos, como a análise de documentos do Pentágono, departamento de defesa dos EUA, que validaram a guerra do Vietnã ignorando, na visão de Arendt, o aspecto histórico dos fatos.

Pensar, portanto, a atualidade deste processo com o surgimento da internet e das redes sociais é preocupante, haja vista o uso de Fake News nas eleições americanas, europeias e brasileiras, além de todo o embate político que se fundamenta no uso de notícias distorcidas.

O uso da desinformação em âmbito político alcança novas proporções com a internet como meio de comunicação. Segundo a denúncia feita pela deputada Joice Hasselmann, o presidente, Jair Bolsonaro, conta com 1,4 milhão de robôs que impulsionam seu Twitter, e o seu filho, Eduardo, com 468 mil. [3]

Para se ter ideia da influência que a disseminação de informações na internet pode ter, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo realizaram pesquisa analisando os apoiadores de Jair Bolsonaro no Twitter no dia 15 de março.

Havia nesse dia uma homenagem ao presidente, a pesquisa concluiu que, das 66 mil menções favoráveis ao presidente, 55% eram produzidas por robôs programados para viralizar suas mensagens. Assim, foram identificadas 1.700 contas que reproduziram a mensagem #BolsonaroDay que foram desativadas horas depois da mensagem emitida. As contas foram utilizadas por robôs, bots, que emitiram 22 mil mensagens a favor de Bolsonaro.

A estrutura citada, que ficou conhecida como “Gabinete do Ódio”, aparentemente já existia antes da eleição e provavelmente influenciou no seu resultado, sendo, posteriormente, anexada ao planalto, tendo lugar inclusive fisicamente no prédio.

Da mesma forma, a situação é representada na própria pessoa do presidente ao citarmos o monitoramento feito pelo site Aos Fatos, concluindo que o político fez 1003 declarações falsas ou distorcidas m 492 dias de governo.

Ao se debater, mais uma vez, as Fake News como armas políticas, o ex-presidente da Cambridge Analytica, Alexander Nix, chegou a afirmar que as táticas de microssegmentação de anúncios podem garantir o sucesso de uma campanha se o trabalho de convencimento começar dois anos antes. Com um período de um ano a nove meses, as chances de vitória diminuem, mas continuam muito boas. Entretanto, com apenas seis meses de trabalho já se podem sentir os efeitos.

É em virtude dessas consequências, do uso da desinformação de maneira institucional, como política de governo, que foi feito o projeto de lei instituindo a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet com o intuito de combater a desinformação e de fomentar a pluralidade de informações na internet no Brasil.

Entretanto, é preciso salientar que, em que pese a iniciativa seja importante para a segurança na internet, o projeto conta com diversos pontos a serem criticados tecnicamente em um momento adequado, demonstrando mais uma vez que a influência rápida das tecnologias na vida e a tentativa de pronta-resposta, no mais das vezes, pode acabar gerando novos efeitos deletérios.

Logo, o IP.rec, como representante do setor acadêmico, como tantos outros órgãos, acaba assumindo, ainda que não intencionalmente, um papel político, vendo a necessidade de um debate constante sobre o tema.

Dessa forma, é importante mencionar que o projeto de lei apresenta também como justificativa a disseminação de desinformação sobre campanhas de vacinação, citando, inclusive, pesquisa para afirmar que os vídeos de desinformação sobre o tema no Facebook atingiram 23,5 milhões de visualizações e 2,4 milhões no YouTube , assim como a maioria das pessoas que pensa que as vacinas são totalmente (59%) ou parcialmente inseguros (72%) parecem ter recebido informações negativas sobre vacinas nas redes sociais ou WhatsAp, o que problematiza, mais uma vez, a proteção à saúde individual e coletiva em um momento tão tenso como é o da pandemia da COVID-19. [4]

Logo, é possível afirmar que a desinformação, utilizada como ferramenta política, busca redirecionar uma atenção pública, distorcendo fatos para compor opiniões, criando um cenário fantástico onde é possível encobrir a verdade fatual porque com ela não se concorda.

E sabe-se que quando a mentira é o instrumento de debate, somente a verdade pode ser a outra opção.

NOTAS:

[1] HITLER, Adolf. Minha luta. Editora: Centauro, 2016, p.34.

[2] “As mentiras sempre foram consideradas instrumentos necessários e legítimos, não somente do ofício do político ou do demagogo, mas também do estadista. Por que será assim? O que isso significa quanto à natureza e dignidade do âmbito político por um lado, quanto à natureza e dignidade da verdade e da veracidade?” ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 6. ed. Tradução de Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 447.

[3] “O que é o ‘gabinete do ódio’ que virou alvo da CPMI das Fake News”, Gazeta do Povo, 23 abr. 2020.

[4] Trecho do texto apresentado na justificativa do projeto: “Estudo conduzido pela SBIM em parceria com Avaaz 2 indica que 7 em cada 10 pessoas acreditam em pelo menos uma informação imprecisas obre vacina. 13% da população brasileira não se vacinou ou não vacinou uma criança sob sua responsabilidade, isso significa cerca de 21 milhões de pessoas. 57% dos que não vacinaram citam uma razão que é considerada imprecisa pelos melhores órgãos de saúde do país. Em termos de responsabilidade das plataformas, os vídeos de desinformação no Facebook atingiram 23,5 milhões de visualizações e 2,4 milhões no YouTube. Metade da população reconhece que se informa sobre vacinação em redes sociais ou no WhatsApp. A maioria das pessoas que pensa que as vacinas são totalmente (59%) ou parcialmente inseguros (72%) parecem ter recebido informações negativas sobre vacinas nas redes sociais ou WhatsApp. O próprio Ministério da Saúde reconheceu que 90% das notícias falsas relacionadas à saúde são sobre vacinas ou soluções milagrosas para doenças graves.” Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8083641&ts=1587390982352&disposition=inline. Acesso em 12.05.2020

Tassiana Bezerra

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