Coalizão Direitos na Rede: O avanço da vigilância digital e o criminalização do ativismo

 

A participação do IP.rec no 9º Fórum da Internet no Brasil já começou logo na primeira sessão do primeiro dia do evento, mais conhecido como dia 0. Durante o debate organizado pela Coalizão Direitos na Rede, que contou com a participação da nossa pesquisadora Mariana Canto, o tema debatido estava relacionado ao crescente número de técnicas e mecanismos de vigilância adotados em diversos municípios e regiões do país. 

 

Também foram alvo do debate os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que visam alterar a Lei Antiterrorismo brasileira. Dentre as preocupantes propostas verificadas encontram-se medidas que dão margem a uma possível criminalização dos movimentos sociais e ao cerceamento da sua atuação. 

 

O PL 272/2016, por exemplo, visa incluir no rol de atos terroristas ações de incêndio e depredação de bens públicos e privados quando cometidos com a finalidade de intimidar ou coagir governos ou com motivação “política e ideológica”, aumentando assim o risco de monitoramento e perseguição movimentos sociais. A proposta visa ainda reintroduzir a ideia de “apologia ao terrorismo”, com penas aumentadas quando a conduta é cometida pela Internet. Um caso prático da tipificação dessa conduta seria o de pessoas que compartilham um vídeo na Internet que envolva a depredação do patrimônio público e louvam ou elogiam o ato.

 

Outros PLs preocupantes que estão sendo monitorados pelas as instituições que formam a Coalizão de Direitos na Rede buscam estabelecer, por exemplo, a transferência de poderes, possibilitando que a própria polícia, e não o Poder Judiciário, solicite a “provedores de internet, provedores de conteúdo e autores de aplicativos de comunicação” medidas com o intuito de descriptografar o conteúdo de um celular apreendido. 

 

Ao longo do debate gerado com grande engajamento da audiência presente ficou claro que os riscos não só envolvem as garantias individuais ou estabilidade do setor privado de tecnologia, mas também as comunicações governamentais, as quais fazem uso rotineiro, por exemplo, de protocolos de encriptação e que seriam, potencialmente, afetados. 

 

Quantos dados para comprar no mercado? Um debate sobre a proteção de dados pessoais nas relações de consumo

 

Link para gravação da sessão: https://youtu.be/fH3DO_g3IDM?t=7830

 

Já no segundo dia do evento, o workshop “Quantos dados para comprar no mercado? Um debate sobre a proteção de dados pessoais nas relações de consumo”, que contou com a participação da nossa presidenta Raquel Saraiva, buscou discutir o contexto regulatório referente ao tratamento de dados no âmbito das relações de consumo. 

 

Como é sabido, nos últimos anos a temática ganhou relevância no cenário nacional devido a casos de apuração do uso indevido de dados por empresas em segmentos diversos. Assim, o painel teve por objetivo demonstrar como a Lei Geral de Proteção de Dados soma-se ao Marco Civil da Internet e a um sistema de proteção legal do consumidor já estruturado.

 

O interesse da audiência foi despertado a partir de novas discussões sobre o tema, bem como a apresentação dos desafios práticos para diferentes setores relativos às obrigações e direitos do consumidor no contexto do Big Data. 

 

Durante a discussão, Raquel chamou a atenção para o uso dos dados no segmento da saúde, enfatizando que a LGPD define os dados de saúde como dados sensíveis, que merecem, portanto, uma maior proteção por parte das entidades que fazem seu tratamento. Além disso, procurou demonstrar como os consumidores são ainda mais vulneráveis em sua relação jurídica com empresas deste segmento, destacando, por exemplo, os aumentos abusivos que ocorrem à revelia do consumidor, e que somente são explicados por cálculos atuariais obscuros para a maioria deles. Raquel ainda ponderou a necessidade de uma regulação do setor mais efetiva e coordenada entre ANPD, ANVISA E ANS, com o fim de que o tratamento dos dados seja feito com uma maior proteção do cidadão. Ao final, destacou, para esse fim, a necessidade de criação imediata da ANPD, a fim de que as diretrizes para o tratamento de dados pessoais sensíveis sejam de pronto definidas.

 

Uso do Reconhecimento Facial em Políticas Públicas: da técnica à ética.

 

Link para gravação da sessão:https://www.youtube.com/watch?v=BvNz-xwB3C8

 

O painel “Uso do Reconhecimento Facial em Políticas Públicas: da técnica à ética”, proposto em parceria com o CEPI, o Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP, com relatoria da nossa estagiária Isabel Constant e mediação da nossa pesquisadora Mariana Canto,  teve como proposta levantar uma discussão multissetorial acerca dos benefícios e riscos trazidos pela implementação da tecnologia já utilizada em diversas cidades do país, muitas vezes para fins de segurança pública durante a organização de grandes eventos, como festas de São João e carnavais de rua. 

 

A exposição de reflexões acerca da tecnologia de reconhecimento facial transitou, em um primeiro momento, entre sua utilização pelo setor privado, por meio das explanações de José Guerrero (Co-founder da FullFace Solutions), sua implementação na esfera pública que foi apresentada por meio de um case do São João de Campina Grande pelo policial militar Jimmy Felipe e as considerações relativas a questões ligadas ao direito à privacidade de brasileiros e brasileiras por parte da comunidade científica e do terceiro setor, apresentadas por Ana Paula Camelo (CEPI/FGV-SP) e Diogo Moyses (IDEC).

 

Questões como a construção técnica da tecnologia de reconhecimento facial, transparência de sua base de dados e, principalmente, a problemática “segurança pública versus privacidade” foram amplamente debatidas durante o momento. Em conjunto com as proposições da mesa, os participantes do 9º Fórum da Internet no Brasil tiveram a oportunidade de contribuir com olhares e experiências pessoais sobre o tema, objetivo principal do painel. 

 

Em meio a um debate altamente engajado entre os membros do Painel e a audiência, o workshop teve como resultado a promoção da reflexão sobre a utilização e regulação da tecnologia de reconhecimento facial, seus reflexos nas políticas públicas vigentes e a asseguração e garantia aos direitos fundamentais do cidadão – reflexões estas que até extrapolaram o espaço físico e tempo de duração do próprio painel e Fórum.

 

Mulheres que “hackeiam” o sistema digital

 

Link para a gravação da sessão: https://youtu.be/pQs3s8QlF70?t=7973

 

O painel “Mulheres que hackeiam o sistema digital” buscou mostrar a força da mulher em ambientes ainda segregacionistas em termos de igualdade de gênero e racial como são não só o cenário da governança da Internet mas também das tecnologias de uma forma geral. 

 

Por meio do compartilhamento de experiências pessoais, projetos e iniciativas, as mulheres presentes na mesa, entre elas a nossa presidenta Raquel Saraiva, falaram um pouco a respeito das suas trajetórias e experiências pessoais  e de como conseguiram, e ainda se esforçam para que outras consigam, hackear um sistema misógino e paternalista, ressignificando experiências. 

 

No primeiro momento da sua fala, Raquel chamou a atenção para mulheres que, ao longo da história, estiveram à frente de invenções e descobertas tecnológicas que mudaram o mundo. Em seguida, ela apresentou, a todas e todos presentes, o projeto Cintia: um grupo de mulheres do CIn-UFPE, criado com o objetivo de ser uma rede de apoio entre todas as mulheres que fazem parte do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco. Além da organização de diversas ações e eventos, o Cintia também tem o objetivo de incentivar a participação feminina nas áreas da ciência, tecnologia e computação, promovendo ações para conquistar mais mulheres a ingressarem nessas áreas por meio de acompanhamento e amadrinhamento.

 

Multissetorialismo na quinta onda da história da internet: novas perspectivas e práticas

 

Link para gravação da sessão: https://youtu.be/2aoEUU5blnc?t=7857 

 

O último e não menos importante painel proposto pelo IP.rec no 9º Fórum da Internet no Brasil, intitulado o “Multissetorialismo na quinta onda da história da internet: novas perspectivas e práticas”, tratou do cenário que envolve as novas práticas multissetoriais a partir de perspectivas práticas representadas por vários setores.

 

O objetivo foi sedimentar um aporte teórico sobre o tema, tratando do seu aspecto histórico e conceitual e, a partir daí, focar no “multissetorialismo de setores” para compreender a aplicação das práticas multissetoriais em temas como padrões de cibersegurança, questões de gênero, automação, entre outros, que, por sua complexidade, exigem uma preocupação maior para efetivar a ideia de representatividade. 

 

O painel veio em momento oportuno, um dia após a sessão principal sobre Cooperação Digital, influenciada pelo recente Painel de Alto Nível em Cooperação Digital da ONU, que além de propor recomendações ao modelo do Fórum Global de Governança da Internet (IGF), trouxe apontamentos sobre técnicas de “sistemas” multissetoriais para cooperação e regulação na esfera digital. Recentemente, o IP.rec também contribuiu para a consulta pública sobre o painel proposta pelo IGF.

 

Durante a mesa que foi moderada pela nossa pesquisadora Tassiana Bezerra e contou com a participação da nossa pesquisadora Paula Corte Real como representante da comunidade científica e tecnológica, discutiu-se como a evolução da Internet contribuiu para que a técnica multissetorial evoluísse, avaliando se há uma mudança no conceito, no cânone multissetorial, desde sua introdução no ecossistema da Governança da Internet em 2003 e 2005 com a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação. Também contribuíram para o debate Luana Lund, representando o Setor Governamental e trazendo sua experiência dentro do contexto multissetorial nacional. O jornalista Hemannuel Veras, aportando as dificuldades da experiência prática do terceiro setor e da sociedade civil organizada, e Pollyanna Rigon representando a comunidade técnica e o setor privado.

 

O nosso agradecimento a todas e todos.

Após dias de intensos debates, o IP.rec acredita que as trocas e aprendizados que foram resultados da sua participação no 9º Fórum da Internet no Brasil fazem o saldo do nosso balanço ser bastante positivo. 

Aproveitamos para agradecer aos debatedores presentes em nossas mesas que aceitaram fazer parte de momentos de troca tão ricos e necessários para o desenvolvimento das tecnologias no cenário brasileiro assim como ao CGI.br, ao governo local e a toda a equipe técnica e de apoio que estava por trás do evento e fez com que tudo funcionasse perfeitamente. 

Também agradecemos e esperamos que todas e todos presentes na audiência, de forma remota ou presencial, também tenham tido  experiências únicas e enriquecedoras. Nos vemos em 2020! 

Institucional

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