Em meio à pandemia do coronavírus, diversos países vêm se mobilizando para desenvolver uma vacina capaz de imunizar a população mundial. Atualmente, as vacinas chinesas CanSino e Sinopharm e a russa Sputnik V já foram aprovadas para o uso limitado. Além disso, outras quarenta e nove estão entre as três fases de teste¹. Dentre elas, a CoronaVac, a de Oxford e a da Pfizer e BioNTech estão sendo testadas no Brasil. Essas fases servem para avaliar a segurança, o desempenho e a eficácia dos produtos.

A partir disso, inúmeras discussões estão sendo travadas em torno da temática, incluindo os direitos que envolvem a propriedade industrial de tais invenções. Mas afinal, como será aplicada a legislação no Brasil para garantir o interesse público e privado em relação às patentes?

PATENTES

Inicialmente, é relevante entender que a patente é um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a exclusividade da exploração de uma tecnologia². As patentes podem ser de invenção ou modelo de utilidade. No caso em comento elas são de invenção, pois atendem aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O prazo de proteção é de vinte anos, contados a partir da data do depósito.

No Brasil, o processo de registro é feito perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Pensando na celeridade e no estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias, o órgão disponibilizou um trâmite prioritário para os produtos, processos farmacêuticos, equipamentos e materiais de uso em saúde para o diagnóstico, profilaxia e tratamento da COVID-19.

No entanto, nesse momento muito se fala em relação às hipóteses das licenças compulsórias, também conhecidas como quebra de patente.

LICENÇAS COMPULSÓRIAS

Considerando que os direitos ligados à propriedade estão sujeitos às limitações constitucionais, as patentes são ponderadas através das licenças compulsórias. Esse instrumento visa sanar os eventuais abusos no exercício do direito do titular. Segundo Denis Borges Barbosa³ a legislação prevê licenças coativas pelos seguintes motivos: por abuso de direitos; por abuso de poder econômico; por dependência; e pelo interesse público.

No último caso, a Lei nº 9.279/96, que dispõe sobre a propriedade industrial, determina no artigo 71 que nas circunstâncias de emergência nacional ou interesse público poderá ser concedida a licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular. Nesse contexto, tendo em vista o Decreto nº 3.201/99, que regulamenta o artigo supracitado, são considerados de interesse público os fatos relacionados à saúde pública.

Vale citar como exemplo a quebra da patente do remédio Efavirenz, usado no combate ao vírus HIV. Em 2007, o então presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva, outorgou a licença compulsória, após a articulação entre diversos setores do governo.

A partir disso, é relevante compreender, em termos práticos, as consequências da licença compulsória de patente:

Quando um produto, fruto do investimento privado em pesquisa e desenvolvimento, chega ao mercado respaldado por uma patente, ele desfruta de um monopólio. A partir disso, é comum que os preços sejam fixados de forma excessiva. Esse fato é capaz de dificultar ou até mesmo impedir o acesso da maioria população a determinada tecnologia.

Em paralelo, as licenças compulsórias, ao limitar o direito de exclusividade, geram economia em prol do interesse público. Apesar disso, importa salientar que a quebra da patente está condicionada ao pagamento de royalties ao titular da invenção. Ou seja, o investimento privado é recuperado.

ESTRATÉGIAS LEGISLATIVAS CONTRA A COVID-19

Em função da pandemia da COVID-19, a Câmara dos Deputados está discutindo o Projeto de Lei nº 1.462/204. A proposta visa criar mecanismos para o enfrentamento de emergências em saúde pública, através de licença compulsória de forma automática. Ademais, cumpre salientar que o referido projeto se aplica às patentes já em vigor e àquelas que ainda estão em trâmite perante o INPI.

A proposição se mostra bastante oportuna, pois essa medida excepcional poderá assegurar que o governo brasileiro tenha condições de prestar assistência à população num momento tão delicado. Como dito anteriormente, o custo relativos a cada vacina poderá inviabilizar a sua distribuição.

Por fim, importa ressaltar que a propriedade industrial deve ser aplicada respeitando os direitos fundamentais. Desse modo, uma possível quebra de patente é compatível com a legalidade constitucional e favorece o interesse público.

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NOTAS

[1] Covid-19: Quais são as vacinas que já foram aprovadas e as que estão em fase final de testes. Jovem Pan. 27 de set de 2020. Disponível em: <https://jovempan.com.br/noticias/mundo/quais-sao-as-vacinas-aprovadas-e-testes-para-o-coronavirus.html>.

[2] BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019, p. 1099.

[3] BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2019, p. 1635.

[4] Link para a tramitação do Projeto de Lei na Câmara dos Deputados: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242787>.

Marina Tenorio

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