Desde que foi eleito no último pleito eleitoral, Jair Bolsonaro vem utilizando suas redes sociais pessoais, em especial o seu perfil no Twitter, não só para comentários de ordem privada sobre acontecimentos comuns, mas também como divulgação oficial de questões inerentes ao cargo, como, por exemplo, nomes que comporiam o primeiro escalão do governo. O presidente parece ter se inspirado no seu colega norte-americano, que passou a fazer o mesmo após sua eleição, em 2016, apesar da existência das contas oficiais dedicadas à presidência. Entretanto, Bolsonaro tem sido alvo de algumas polêmicas por conta do seu comportamento nas redes sociais, agindo em flagrante desrespeito à liberdade de expressão dos seus concidadãos, à liberdade de imprensa e ao princípio da transparência do poder público.

O presidente Jair Bolsonaro sempre manteve presença constante nas redes sociais. Durante a campanha, costumava fazer transmissões ao vivo via Facebook. Após sua eleição, manteve a dinâmica de se comunicar com a população através do Twitter, mas agora sobre assuntos oficiais. Ele mesmo chegou a publicar que, durante o período de transição, qualquer informação que não fosse originária da sua conta não passaria de mera especulação, atribuindo, desta forma, caráter oficial aos seus pronunciamentos via redes sociais. Foi através daquela plataforma, por exemplo, que ele anunciou os nomes de 14 dos 22 ministros que viriam a compor seu governo, além de informar sobre a saída de Cuba do Programa Mais Médicos e a visita do assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton.

Porém, as redes sociais permitem, ainda, a interação dos usuários com o presidente, e ele parece não ser favorável a qualquer crítica. Depois de muitos comentários críticos ao governo que se formava, o presidente bloqueou no Twitter jornalistas do The Intercept Brasil, o que causou uma série de questionamentos sobre a legalidade deste ato, considerando o caráter oficial dos seus pronunciamentos.

A pergunta que fica é: o presidente pode, como um usuário comum de uma plataforma de rede social na Internet, bloquear outro usuário que, em sua visão, lhe provoca algum desconforto, considerando a oficialidade conferida por ele próprio aos seus pronunciamentos online?

Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a usar as redes sociais como comunicação oficial do governo. Após sua posse, através da Medida Provisória nº 870/19, o presidente atribuiu à Assessoria Especial do Presidente da República, entre outras funções, a de “administrar as contas pessoais de mídia social do Presidente da República” (art. 17, IV). Assim, se a administração das contas pessoais do presidente é paga com dinheiro público, torna-se serviço público, de forma que não pode ter o acesso negado a nenhum cidadão brasileiro e, ainda, submete-se a todas as regras que o regem.

A administração pública brasileira é guiada por cinco princípios, constitucionalmente fixados (art. 37). São eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Isso significa que as contas pessoais do presidente na Internet devem seguir os referidos princípios, sob pena de infração à Constituição, passível de reparação na Justiça. Assim, ao bloquear usuários no Twitter, o presidente ofende os princípios da impessoalidade, porque naquele momento ele não pode ser “Jair Bolsonaro”, mas o Presidente da República do Brasil, e da transparência, já que ele impede que usuários bloqueados tenham acesso a informações oficiais da Presidência da República.

Além disso, no caso dos jornalistas, o presidente ofende a liberdade de imprensa constante no art. 220 da Constituição Federal, pois os impede de acessar informações oficiais, prejudicando seu trabalho. Ainda fere o direito de acesso à informação da população, previsto no art. 5º, XIV da CF, pois que os jornalistas, antes disso, são também cidadãos brasileiros.

No mesmo sentido, o Marco Civil da Internet expressa, no art. 4º, que a disciplina do uso da Internet no Brasil tem como objetivo a promoção do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos, além de enfatizar a liberdade de expressão na rede em vários momentos durante o texto. Da mesma forma, no art. 24, o MCI expressa que a União deve promover publicidade e disseminação de dados e informações públicos na Internet.

Ou seja, o caráter oficial e público das contas das redes sociais pessoais do presidente o destaca dos demais usuários destas plataformas, de forma que ele não pode agir como um usuário comum bloqueando quaisquer desafetos, sob pena de descumprimento de preceitos constitucionais e infraconstitucionais.

Como dito anteriormente, o presidente dos EUA também costumava agir desta forma no Twitter, inclusive bloqueando os usuários que o questionavam ou criticavam. Entretanto, um juiz federal considerou, em ação iniciada por um grupo de sete usuários bloqueados por Trump, que os tweets do presidente norte-americano devem ser vistos como fóruns públicos, portanto acessíveis a todos, e que o bloqueio é uma violação da liberdade de expressão deles.

Caso semelhante aconteceu no Peru, onde um advogado iniciou ação judicial contra Pedro Cateriano, que foi presidente do Conselho de Ministros do Peru entre 2015 e 2016. A justiça concluiu que Cateriano não podia bloquear cidadãos em sua conta enquanto estivesse exercendo a função, mas a sentença não chegou a ser cumprida porque Cateriano deixou o cargo antes.

Nesse sentido, não custa reforçar: no nosso entendimento, qualquer cidadão brasileiro que seja bloqueado pelas redes sociais do presidente pode requerer judicialmente a reversão da medida conforme razões acima expostas. Porém, resta-nos aguardar pelas cenas dos próximos capítulos desta novela, que certamente adicionará mais alguns fatos interessantes ao imbróglio, digno de uma tragicomédia.

André Fernandes

Diretor e fundador do IP.rec, é graduado e mestre em Direito pela UFPE, linha teoria da decisão jurídica. Doutorando pela UNICAP, na linha de tecnologia e direito. Professor Universitário. Membro de grupos de especialistas: na Internet Society, o Grupo de Trabalho sobre Responsabilidade de Intermediários; no Governo Federal, Grupo de Especialista da Estratégia Brasileira de IA (EBIA, Eixo 2, Governança). Fundador e Ex-Conselheiro no Youth Observatory, Internet Society. Ex-Presidente e Fundador da Comissão de Direito da Tecnologia e da Informação (CDTI) da OAB/PE. Alumni da Escola de Governança da Internet do CGI.br (2016). No IP.rec, atua principalmente nas áreas de Responsabilidade Civil de Intermediários, Automação do Trabalho e Inteligência Artificial e Multissetorialismo.

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