O IP.rec, através do projeto “Responsabilidade Civil de Intermediários Tecnológicos” entrevistou atores de diversos setores (academia, empresas, sociedade civil e governo) com o objetivo de apresentar um panorama em série do debate multissetorial sobre a responsabilidade de intermediários (relativa a diversos danos). 

A responsabilidade civil de intermediários – especialmente no tratamento dos dados, direitos autorais e danos decorrentes do uso de plataformas – vem ganhando destaque nos últimos 10 (dez) anos, com a criação de legislações específicas sobre a responsabilização (liability) desses entes privados. Poderes Legislativo e Judiciário estão sendo chamados a resolver diversos dilemas, dentre os quais: (1) conflito de valores humanos, como a liberdade de expressão e direito ao ressarcimento por um dano; (2) moderação prévia ou automática de conteúdos ilícitos ou lícitos, porém danosos; e (3) limites técnicos de implementação de um quadro de responsabilidade objetiva. 

Nesta série de entrevistas, que começam a ser publicadas agora como um material orientador das pesquisas no Brasil, são apresentadas, de forma comparada, diferenças e sinergias no tratamento da matéria. O objetivo central aqui é ampliar o diálogo entre atores, além de trazer um material de consulta importante para os pesquisadores localizados no Brasil e, especificamente, no nordeste brasileiro. 

Nosso primeiro entrevistado é Luiz Fernando Moncau, Doutor pela PUC-RIO, Non-Residential Fellow no Center for Internet and Society da Stanford Law School. Moncau já trabalhou como advogado e analista de políticas para o IDEC, além de ter sido consultor do Ministério da Justiça em temas envolvendo telecomunicações e direitos do consumidor.

  1. O paradigma geral de (não) responsabilização ou condicionamento da responsabilização a casos específicos (EUA, Brasil) é suficiente ainda ou precisa ser revisado?

Essa é uma questão importante. Uma das teorias fundamentais (e mais liberal) que sustenta a liberdade de expressão é a ideia de que “discurso ruim” não se combate reprimindo a liberdade de expressão, mas dando mais liberdade para as pessoas para que, com mais discurso, as ideias possam competir livremente por aceitação na sociedade. As melhores ideias prevaleceriam.

Eu acredito que isso ainda é verdade em muitos níveis, mas existe um problema nos debates nas plataformas que é o uso de técnicas e tecnologias para amplificar artificialmente um determinado discurso, fazendo parecer que tal discurso tem tração na sociedade. Isso pode se dar de diversas maneiras e essa possibilidade (que existia também, mas de maneira distinta, nas mídias tradicionais) desafia essa perspectiva liberal.

Entendo que o modelo de blindar intermediários de responsabilidade ainda é importante para preservar a liberdade de expressão. Uma pessoa, atuando livremente, não deveria ter suas opiniões cerceadas por um modelo que incentive economicamente os intermediários a remover conteúdo. Mesmo preservando esse modelo, foi possível avançar imensamente no combate a diversos tipos de abusos ou violações de direitos online.

Por outro lado, é preciso pensar formas de conter o avanço de esforços coordenados de desinformação. Este é talvez o desafio mais atual que está diante das plataformas que têm um modelo baseado no conteúdo gerado por seus usuários.

  1. Qual a sua visão sobre cenários recentes de responsabilidade civil, com a modificação de legislações para aumento de responsabilização de intermediários (Índia, Alemanha, Espanha e México)?

O aumento da responsabilidade das plataformas pode ter uma consequência nociva para a liberdade de expressão, fazendo com que as plataformas removam mais conteúdo do que necessitariam para evitar eventuais punições. Esse efeito está razoavelmente documentado em trabalhos acadêmicos. Aqui há uma excelente compilação desses estudos.

É preciso entender que não existe uma bala de prata para resolver os problemas de conteúdos ilícitos na internet. A depender do tipo de conteúdo, será necessário um conjunto de medidas, que envolvem educar melhor os usuários, repressão nos casos que envolvem crimes, entre outros. No caso específico de desinformação, as plataformas podem ter um papel de aperfeiçoar os modelos de recomendação de conteúdos, a monetização de canais ou perfis, entre outras coisas. Há muito espaço para aperfeiçoamentos sem necessariamente criarmos um corte de obrigação ou responsabilização pela via legal.

  1. Como você vê o papel de eventos políticos (banimento POTUS, etiquetagem de postagens como falsas) na modificação dos modelos de responsabilidade civil de intermediários?

Eventos políticos não raras vezes estimulam respostas políticas. Nesses momentos, se não há uma ideia amadurecida sobre o que pode ou vem sendo feito para solucionar questões emergentes na tecnologia, soluções simplistas e equivocadas podem aparecer.  Por essa razão, o trabalho de pesquisa e investigação sobre a natureza dos problemas que se quer resolver é fundamental. É somente entendendo os fenômenos atuais que podemos responder a eles sem medidas desproporcionais.

  1. O multissetorialismo das discussões seria suficiente para garantir uma eficácia e eficiência das normas  que pretendem reformar  o marco de responsabilidades no Brasil (ex:  reforma do Código Eleitoral,  Fake News e etc)?

O multissetorialismo não é suficiente, mas é fundamental para o avanço das discussões. É importante ter em mente que problemas complexos somente serão resolvidos se iluminados de múltiplos ângulos e perspectivas. O multissetorialismo e a participação da sociedade é o único caminho para enxergar os problemas de todos os ângulos. 

Institucional

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